Alguns contos da nossa terra – Parte 2

Alguns contos da nossa terra – Parte 2

karajas
(Uma foto do povo Karajá)

O-nhan, e-îori, e-îori s-epîak
O-nhan ir~unamo, ir~unamo tukura
E-îori s-epîak, pytuna-pe berab
Berab mo-endy, ybaka-pe
(1)

 

Uma Menina chamada Mani

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       Era uma vez uma índia que teve uma filhinha chamada Mani.

    A menina era bonita e tinha a pele bem clara, diferente das outras crianças da tribo, que eram morenas.

    Assim que começou a andar, ela se juntou a outras crianças da tribo e passou a participar alegremente das brincadeiras. Todos gostavam muito dessa indiazinha de pele tão clara.

    Um dia, porém, de repente, a pequena Mani ficou muito doente. Todos se preocuparam com a sua saúde, mas ninguém sabia qual era a sua doença. Os índios fizeram tudo o que sabiam, mas não conseguiram salvá-la.

    Mani morreu.

    Toda a tribo ficou muito triste. Os pais de Mani a enterraram dentro da própria oca, isto é, de sua cabana, para ficarem sempre perto dela. E não se passava um dia sem que eles chorassem sobre a cova da filhinha.

 

    E para o espanto deles, um dia, nessa cova, nasceu uma planta. Sua raiz era escura por fora, mas por dentro era branquinha, da cor da pele de Mani.

    Curiosos, os índios experimentaram aquela planta e logo perceberam que, com ela, poderiam preparar diversos alimentos saborosos. Como a planta tinha nascido da oca de Mani, deram-lhe então o nome Manioca, que hoje dizemos Mandioca.

    E assim, cada vez que um índio comia mandioca, lembrava-se da história da pequena Mani, a menina de pele clara.

 

Um Canto Encantador

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    De repente, toda a aldeia começou a ouvir um som suave de flauta. Era uma melodia tão envolvente que até os animais pareciam prestar atenção. E todos já sabiam: só podia ser Catuboré tocando sua flauta.

    Catuboré era um jovem índio que sabia tocar flauta como ninguém. Não era bonito nem feio, era um rapaz comum, mas sua música parecia enfeitiçar as pessoas, principalmente as moças, que suspiravam por ele.

    E, entre todas as garotas que se apaixonaram por ele, havia uma chamada Mainá, que também era amada por Catuboré. Ninguém sabia, mas era para Mainá que ele criava suas lindas melodias. Ela era sua inspiração.

    Finalmente, foi marcado o dia do casamento dos dois jovens apaixonados. Uma grande alegria tomou conta da aldeia, pois ambos eram muito queridos por todos.

    Não muto distante da aldeia, havia um lago onde Catuboré costumava pescar sozinho. O lago ficava no meio de um bosque com árvores grandes, que davam uma sombra muita agradável. Na verdade, ele gostava do silêncio do local e, enquanto pescava, sonhava com Mainá e sentia-se inspirado para compor suas músicas.

    Uns dias ante do casamento, lá foi ele pescar de manhãzinha. As horas foram passando. Chegou a tarde, chegou a noite e Catuboré não voltava. O vento frio da noite provocava arrepios. O medo de que alguma coisa ruim tivesse acontecido a Catuboré tomou conta não só de Mainá, mas também de todos na aldeia. Naquela noite, ninguém conseguiu dormir. Ficaram a espera de algum barulho que indicasse que o jovem índio estava de volta. Mas nada se ouviu, a não ser os sons dos animas noturnos.

    Assim que amanheceu, a tribo inteira foi procurar Catuboré. O primeiro lugar que procuraram foi no lago onde ele costumava pescar. Mas ele não estava lá. Os índios se espalharam pelas redondezas para tentar achá-lo. De repente, ouviu-se um grito. Alguém tinha achado Catuboré! Todos correram. Na frente, desesperada e ansiosa, corria Mainá.

    Catuboré estava sentado no chão, encostado em uma árvore, com a flauta em uma das mãos. Parecia dormir. Mas estava morto. Na perna, a marca de uma picada de cobra.

    Os índios se reuniram em torno do corpo morto de Catuboré. Mainá abraçava-se a ele, chorando. As outras meninas da tribo também choravam, lamentando o triste destino do amigo querido.

    Catuboré foi enterrado numa cova ai mesmo, no bosque onde costumava compor suas lindas melodias.

    Quando a saudade doía mais fundo, Mainá iam até sua sepultura chorar e recordar os momentos bons que ele tinha proporcionado a todos com sua fllauta. Ah, como seria maravilhoso ouvir novamente Catuboré tocar suas canções!

    Vendo o sofrimento de todos, principalmente de Mainá, a alma de Catuboré pediu ao Deus Tupã que o transformasse num pássaro cantador para que seu canto pudesse consolar sua amada. Não pedia para ser transformado num pássaro belo, vistoso. Podia ser um pássaro bem simples e comum, mas que tivesse o dom de encantar com sua voz delicada.

    Tupã ouviu o pedido e transformou sua alma num pássaro pequeno, mas que tem um canto maravilhoso. Foi assim que surgiu Uirapuru, o pássaro que tem um canto parecido com o som de uma flauta. Quando Mainá ouvia esse canto, parecia que seu amado Catuboré estava ali perto, tocando para ela e consolando-a.

    O Uirapuru canta apenas de vez em quando e por poucos minutos. Mas quando, ao amanhecer, a sua bela voz se espalha pelo ar, os outros pássaros se calam para ouvir seu canto, um canto que fala de amor e saudade.
(2)

 

Eu sou um sussurro na água
Um segredo para que tu ouças
Tu és aquele que se distancia
Quando eu aceno, tu te aproximas
(4)

anhanga-e-tice
(3) (Deusa Ticê com o Deus Anhangá em uma de suas formas)

Notas:

(1) Trecho da música “T-atá îasy-pe” (Fogo para a Lua), da banda “Arandu Arakuaã”.
Tradução:
Corra, vem, vem ver
Corra como, como gafanhoto
Vem ver, na noite brilhar
Brilhar e iluminar no céu”;

(2) Ambos os contos foram retirados do livro “Histórias da terra e do céu – lendas indígenas do Brasil”, recontadas por Douglas Tufano; Ed. Moderna, 2014;

(3) Arte retirada das irmãs Natalia Duarte e Bianca Duarte, do site Brasil Fantástico;

(4) Trecho da música “Bachelorette” da cantora “Björk”.

3 Respostas para “Alguns contos da nossa terra – Parte 2

  1. Maravilhoso a sua representação do nosso povo nativo!!! E sempre triste pra mim quando penso no que foi perdido a muito tempo e provavelmente nunca será recuperado, não só com os nativos brasileiros e de toda América mas todos os povos ancestrais cuje a cultura foi perdida.

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