Os Vícios e os Erros modernos na Bruxaria

Os Vícios e os Erros modernos na Bruxaria

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“Não faça o que desejar – Faça o que é necessário.
Tome tudo o que você recebe – dê tudo de si mesmo.
O que eu tenho – eu seguro!
Quando tudo mais está perdido, e não até então, prepare-se para morrer com dignidade.”
(1)

Poderia haver outras formas de começar esta postagem, que embora escrita de forma espontânea, possui pensamentos e ideias não somente pessoais, mas ideias compartilhadas por inúmeros praticantes da Arte. Dentre esses praticantes que cito, boa parte não revela e nem discute sobre as próprias práticas abertamente, dando no máximo alguns vislumbres através de inspirações, algo que consideramos sagrado e divino. Alguns poucos dedicam-se a uma divulgação mais aberta, para ensinar ou viver de seu ofício, mas a maioria de nós prefere ser mais reservado. De qualquer forma, comecei a postagem com a máxima acima de um Bruxo Tradicional famoso entre aqueles que Andam o Caminho e possuem um grande respeito pela “Arte sem nome”, a qual antecede todos os conceitos modernos e “new age” na Bruxaria em si.

Irei abordar vários tópicos a respeito do que é praticado entre aqueles que possuem um Caminho mais tradicional e do que acaba ocorrendo nos meios modernos e em algumas novas religiões, como a Wicca e os reconstrucionismos mais conhecidos, pois esses influenciaram boa parte da mentalidade moderna, seja isso bom ou ruim.

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História

A primeira coisa que deve ser falada é sobre História. Sim. Aqueles documentos e relatos encontrados de civilizações antigas, onde escritores e historiadores relatavam e documentavam sobre algum povo; sobre artefatos, pergaminhos, armas, roupas, túmulos, altares e etc, são encontrados, estudados e no final temos documentos nos dizendo como tal povo vivia como um todo. Conhecem? então, essa seria a primeira coisa a ser observada e estudada pelas pessoas que desejam saber como as coisas eram feitas.

Por que isso é importante? bem, primeiramente, evitamos citações absurdas como “a bruxaria data do paleolítico” (idade da pedra lascada – 2,5 milhões de anos até aproximadamente 10.000 anos Antes da Era Vulgar), e que a “Deusa” era cultuada nesse tempo…Essa barbárie não só saiu num livro de Wicca ha anos atrás como também foi propagado e repetido com o intuito de tornar a Wicca mais “legítima” em sua ancestralidade. A história é simples: Wicca nasceu nos anos 50’s, criada por Gerald Gardner, que se inspirou em Ordens como a Golden Down, OTO e escritos de Crowley. Isso é história. É muito mais sincero e bonito do que inventar descendências fantasiosas.

Da mesma forma, ajuda também a separar, conscientemente, como as coisas eram para nossos ancestrais e de como são para você: não, você não pratica a religião e o modo de vida dos Vikings. Não, você não é um sacerdote Helênico. Parece besteira, mas se estudar sobre História isso fica absurdamente mais nítido, afinal, quando iremos sacrificar vários touros para homenagear os Deuses numa procissão onde os sacerdotes ficavam banhados de sangue? ou onde estão as prostitutas sagradas de Afrodite que dormiam com quem visitasse o templo em troca de doações? ou as Vestais que permanecem virgens até os 40 anos (as vezes a vida toda) e mantém o fogo do templo SEMPRE aceso? Onde será a próxima invasão Viking, onde invadiremos cidades e igrejas, mataremos os patéticos e fracos sacerdotes cristãos, bem como seus seguidores (mesmo desarmados, afinal, não havia valor algum), roubaremos o ouro, estupraremos as mulheres e quando fossemos embora, colocaríamos fogo na igreja.

A mesma coisa ocorre com a Bruxaria em si, o que veremos ao longo dos tópicos.

Estudar história faz bem, tanto para seu Caminho quanto para não passar vergonha em propagar ideias falsas. É só ser sincero,não custa nada.

Devemos separar a história com as ideias de crença: não existe prova que existiu Jesus Cristo, mas um cristão fala como se fosse um fato. Não é um fato. É produto da fé. E aí entramos em achismos ou opiniões.

Estudar história ajuda a discernir o que você pratica de como as coisas realmente eram. Evita fantasias e romantizações de épocas em que as coisas eram absurdamente mais difíceis e evita, principalmente, em falar dos “Antigos” como se eles fossem Zen Budistas…Estudar história, pelo menos ler sobre e que não seja em blogs ou sites sem referências sérias, é o primeiro passo.

 

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Religião

Isso é algo que tem tomado proporções absurdas, principalmente na bruxaria.

A primeira coisa que devemos manter em mente, baseando-nos na história (aliás, recente!) é que bruxaria não é religião. Existem religiões que praticam ou possuem elementos de bruxaria, mesmo que muitas delas neguem pelo peso semântico da palavra “bruxaria” (que NUNCA foi bem vista ao longo da história, ao contrário do que alguns autores fantasiosos e levianos afirmam).

Aí entramos na Wicca novamente, a qual será abordada ainda algumas vezes dado o tamanho da sua influência nas últimas décadas. A Wicca é uma religião. Mas a Wicca não é a bruxaria. Wicca é uma religião jovem, que se popularizou por tentar “reviver” algum tipo de consciência neopagã moderna. Ela não possui fundamentos históricos de suas práticas e nem possui o embasamento que seus adeptos cismam em repetir (fantasiosamente), como seus ritos e sua espiritualidade. Não vou especificar todos os tópicos, mas prometo postar um texto que li hoje muito bom sobre o assunto daqui ha uns dias.

Assim também temos os reconstrucionismos, que se propõe a resgatar e reconstruir práticas de alguns povos, como o Nórdico, Helênico, Celta e até mesmo o Druidismo. O que acho mais sincero nos reconstrucionismos é que abertamente a maioria não alega “viver como os antigos”, mas sim, de tentar “refazer” e “adaptar” para a vida moderna. Mesmo assim, sempre ha aquelas pessoas que clamam descendência desses povos e que realmente se enxergam “igual” aos antigos, inclusive no que diz respeito a visão de mundo, rituais, oferendas e espiritualidade, o que é completamente absurdo. Os mais sinceros sabe que suas práticas são baseadas e adaptadas; mas nunca uma continuação tradicional do que era feito e vivido nas respectivas épocas desses povos. Esses seriam os NEOpagãos e é muito importante deixar claro esse “NEO” (Novo), pois nenhum deles praticam a forma de vida dos antigos, porém, misturam aquilo que seja aplicável nos dias de hoje e confortáveis ao modo de vida da nossa sociedade.

As pessoas tendem a confundir não só os termos, mas o sentido. Essa história da Deusa e do Deus como casal divino foi perpetuado pela Wicca, assim como esse sacerdócio fácil e rápido, adaptado a sua rotina e não ao contrário. Bruxaria não é sacerdócio. Bruxaria é Bruxaria. É uma Arte, um ofício, são tantas coisas que mereceria um texto só para isso. O importante aqui é apenas deixar claro que nunca foi religião e atualmente também não é, mesmo que tentem gritar isso aos moldes wiccanos, mesmo renegando-os. Somos mais antigos do que a Wicca, inclusive historicamente. E não, não temos linhagens ininterruptas aos moldes da Wicca (que convenhamos, só existe 2: a Gardneriana e a Alexandrina; o resto é apenas mais um “faça você mesmo”, normalmente a base de achismos).

Como não somos uma religião, então não temos regras e dogmas. Não temos a “wicca rede” ou a “Lei tríplice”. Não temos as “9 nobres virtudes” e muito menos alguma máxima limitante como “se for para o bem de todos, que assim seja”. Não. Cada um de nós faz aquilo que acha necessário ser feito. Só. E sim, isso inclui maldições e malefícios.

Não, nenhum de nós é obrigado a se curvar para os Deuses ou espíritos. Cada um faz aquilo que achar necessário e acredita naquilo que sua ancestralidade ou percepção consegue vislumbrar. Não achamos que devemos coisas ou que devemos nos submeter. Não nos achamos “pequenos” e nem pedimos perdão para os Deuses. Eles não estão distantes assim e muitos de nós nos sentimos como seus descendentes, sejam dos Deuses ou de raças como do povo de Elfhame, Vigias, Qayin, Prometeus ou qualquer outra analogia que consiga ou sinta ser mais sincera. Lembrando que normalmente vem acompanhado de transgressões e transformações. Porém, sempre nos mantemos críticos e tentamos entender cada vez mais do mundo a nossa volta, inclusive criticando e contestando nós mesmos.

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Sacerdócio e Dedicação

É aqui que as coisas se tornam mais incômodas para a grande maioria dos praticantes modernos.

Bruxaria não é sacerdócio. A Wicca foi quem trouxe isso para o popular, de uma forma realmente comum e acessível para qualquer pessoa. Aliás, um “Alto Sacerdote” em 3 anos é algo realmente veloz. Mas sem entrar nesse mérito, que já deveria ser suspeito o suficiente, vamos passar para as obrigações e dedicações, assim como o modo de vida.

O que mais se vê hoje em dia são sacerdotes de Deuses Antigos. A maioria pela internet. É comum ver sacerdotisas de Afrodite, Ares, Apolo, Dionísio, Pan, Zeus e tantos outros Deuses…Quando eu citei o estudo da história, incluímos também os documentos e relatos sobre os Deuses, neste caso, os citados foram alguns Deuses helênicos, pela popularidade. As sacerdotisas de Afrodite eram prostitutas sagradas, ainda assim, prostitutas. E ter relações com elas era como ter relações com a própria Afrodite. Parece besteira, mas as pessoas esquecem que Afrodite era uma Deusa indomável e ciumenta, muitas vezes dramática e que castigava, amaldiçoava e matava os mortais que a ofendiam. Incluindo algo simples como “você é mais bela que Afrodite” ou “Eu sou mais bela que a própria Afrodite”. Isso era motivo para ser morto ou amaldiçoado.

Ares era o Deus que semeava discórdia entre os homens, pois seu deleite era a batalha e o sangue, pessoas se matando num tumultuoso som de guerra e luta. Ele era a guerra. Não ha romantização nisso. Hoje em dia, “sacerdotes de Ares” sem nada de guerreiros, fazem oferendas de velas e incensos. Claro que não é possível seguir a vida de um guerreiro como antigamente, mas lembre-se que existem guerras no mundo e se você realmente ama a guerra e o Deus Ares, você pode tentar ir atrás disso, para matar e quem sabe, morrer como um guerreiro. Além disso, as coisas deveriam ser mais coerentes: pratique Arte Marcial (Arte de Marte, Arte de Guerra), pratique algo que envolva armas, corra todos os dias e dedique seu esforço e suor a Ares; faça flexões, abdominais…qualquer coisa física ou oferendas de sangue. Ao invés disso, as pessoas acendem velas e incensos e realmente acreditam que isso agradaria o Deus da Guerra!

Não irei citar os outros Deuses, pois o texto ficaria mais longo do que já está e acredito que a ideia já esteja nítida.

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Valores e visão de mundo

Acredito que neste tópico é onde entrará aquilo que mais coça a ferida de muitos praticantes modernos, principalmente de muitos ex-cristãos ou pessoas politicamente corretas.

A primeira questão a ser absorvida aqui é a de “visão de mundo”. É algo complexo e completamente subjetivo. A parte objetiva já contem divergências, imagina a subjetiva. Porém, nossa sociedade possui alguns vícios e valores distorcidos, entre eles, a maior mentira moderna é que “todos somos iguais”. Para um praticante da Arte isso é uma ilusão absurda. Nós não somos iguais, em nada, muito menos perante os Deuses e perante nós mesmos. As pessoas costumam pensar que “todos podem conseguir chegar em tal lugar”. Não, não podem. Elas podem chegar em ‘algum lugar’, mas não em qualquer lugar. Existem limitações ou apenas pré-disposições melhores do que outras, seja chamado de dom ou talento. Isso não quer dizer que uma pessoa seja melhor do que a outra, mas apenas pessoas diferentes.

Por exemplo, algumas pessoas nascem com talentos notáveis em compor música Erudita, como Mozart ou Beethoven. Estou usando exemplos de gênios que entraram para a história e se tornaram imortais, mas ilustra bem. Em suas épocas existiram pessoas que não nasceram com tal dom, mas que se dedicaram a vida inteira a estudar, tocar e compor música. Uns ficaram famosos na sua época, outros nem são lembrados. Isso quer dizer que eles poderiam chegar em algum lugar, mas nunca alcançar um Mozart ou Beethoven, não importa o quanto tentassem. O mundo não é justo, não ha uma justiça divina que vai te compensar se você se comportar bem e uma que irá te punir se você se comportar mal: deixem isso para os cristãos ou para quem acredita no Papai Noel. O mundo é complexo e diferente. Posso não saber pintar, mas posso ter talento para lutar. Posso ser horrível como uma espada, mas posso ser bom em desenhar ou compor poesias. Basta ter autoconhecimento ao invés de chorar que “a vida é injusta”. Não, o mundo só não funciona como você quer, só isso.

Nisso entram a visão de mundo dos Antigos. Como um viking via o mundo? afinal, invadir, matar camponeses (torturá-los também era uma prática), estuprar e roubar também. Não era crime, pois cristãos não eram vistos como iguais. Pirataria era um estilo de vida e o guerreiro era o auge do modelo social, era visto como alguém importante e valoroso. Hoje em dia todos ficam horrorizados com isso, pois nossa visão de mundo e estilo de vida é completamente diferente.

Para entrar no Valhalla, era necessário morrer numa luta ou de ferimentos provenientes de uma batalha. Hoje em dia, já ouvi muita gente dizendo que “trabalhar todos os dias e sustentar uma casa é sua batalha diária”. É esse tipo de adaptação que acho estranho. Hoje em dia, você é um camponês que trabalha como um burro de carga e isso seria suficiente para entrar no paraíso dos guerreiros, pra lutar o dia inteiro, morrer, reviver pela noite e encher a cara de cerveja, vinho e hidromel, para no dia seguinte, recomeçar a matança. Entendo que hoje em dia as pessoas pensem “se for assim, ninguém vai pro Valhalla”, como se os Deuses tivessem alguma obrigação de dar um jeitinho pra que você, camponês, pudesse entrar no local em que Ele, o Allfather, criou exclusivamente para selecionar os mais valorosos guerreiros. Com certeza um auxiliar administrativo ou funcionário do almoxarifado de alguma empresa seria super bem vindo. Faz todo o sentido. Afinal, alguém tem que cadastrar a galera e catalogar as armas, equipamentos e insumos.

E lembrando: você pode lutar e morrer lutando. Embora seja mais fácil simplesmente morrer hoje em dia. Um policial, acredito eu, teria muito mais chance de entrar no Valhalla, se for morto em uma luta (numa troca de tiros, por exemplo). Assim como um soldado hoje em dia, lutando em alguma guerra. As pessoas querem os louros, querem a honra, mas não querem pagar o preço para isso. Aliás, tenho certeza que o Valhalla seria mais um inferno para essas pessoas do que realmente um paraíso, afinal, muita gente não gostaria de matar e morrer todos os dias e reviver de noite para as festas, para no dia seguinte matar e morrer de novo (embora a ideia me seja realmente interessante!).

Outro ponto que não pode ser ignorado é que na bruxaria não existe “leis” ou “proibições”. Você é livre para curar ou envenenar. Você é quem decide se irá abençoar ou amaldiçoar alguém ou a sua casa, família e amigos. A Bruxaria em si, como um ofício, abrange todos seus praticantes e seus valores, bem, são apenas os individuais.

Aliás, muitas bruxas faziam (e ainda fazem) tanto abortos quanto partos, embora seja mais raro o parto dado a facilidade dos hospitais nas áreas mais populosas.

Além disso, bruxos costumam não gostar muito de áreas muito urbanas, mesmo que muitos vivam em locais extremamente urbanos. A tendência, com os anos, é se afastar desses centros. Ao menos serão pessoas que sempre tentarão se encontrar em lugares mais naturais ou com mais vida do que o concreto pode oferecer e com mais silêncio do que uma floresta de concreto seja capaz de prover. A coisa deve se tornar real e não puramente simbólica.

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Adaptações dos Deuses

Uma das coisas mais hediondas é ver as pessoas adaptando ao próprio conforto (e limitações pessoais) os Deuses e suas vontades.

Claro, a vontade dos Deuses são misteriosas, mas de algumas coisas nós sabemos, tanto pela história quanto pelos exemplos documentados de seus templos ou seguidores.

Aqui entra muita coisa, mas tentarei resumir de forma mais direta.

As pessoas estão acostumadas com conforto e não costumam se esforçar para agradar a divindade ou conseguir o seu favor de uma forma que seja bom “para a Divindade”. Muitos Neopagãos costumam usar os próprios gostos ou valores para agradar um Deus. É que nem você adorar Picanha, mas eu te oferecer alface. É como você adorar sexo selvagem e eu te oferecer um bolo de caixinha. É como você adorar intoxicação desvairada por vinho e eu te oferecer suco de uva em caixinha (sim, esses são exemplos reais, não estou inventando).

E aí passamos daquelas citações que fiz a Afrodite, Ares, Odin…e entramos em sacrifícios de sangue. Sim, a Bruxaria sempre fora repleta de sacrifícios de sangue, uso de partes animais e humanas. Negar isso é negar história. De todas as desculpas que já ouvi quando perguntei para algumas pessoas sobre o assunto, me vieram respostas do tipo “dá trabalho; tem que saber/ter alguém pra limpar e cozinhar o animal; faz sujeira; tem que saber fazer; fede…”, ou seja, basicamente, dá trabalho. O que significa que sua dedicação a alguma divindade ou ofício se limita a comprar velas, incensos ou queimar ervas. Porque é fácil e dá pra você fazer a caminho do seu trabalho, ou seja, é conveniente.

Não apenas isso, ha ainda o medo e nojo das pessoas para encarar a morte. e é aí que vemos algo comum: vivemos numa sociedade maquiada e hipócrita. A morte é posta de lado para que não pensemos nela. As pessoas se esquecem que morte e vida se misturam. Muita gente compra carne no mercado, vai a churrasco, come pizza de calabresa, tender e peru de natal…sabe, a carne não nasce na bandejinha e nem no plástico do supermercado. Isso não tem a ver com crueldade, mas de um valor na bruxaria e nos antigos sacerdócios (e muitos atuais) que não pensavam no que o adepto, seguidor ou sacerdote querem, mas sim, no que agrada aquela divindade. Qual bebida, qual comida, qual sacrifício, qual prática…se seu foco são os Deuses, é algo muito importante para se pensar. Se seu foco é só se sentir bem consigo mesmo, volte pra igreja, lá você não precisa fazer nada, só seguir o que o padre ou pastor diz e você será “salvo” (seja lá o que Diabos isso signifique!).

É entendível que temos muitas travas devido não somente a criação, mas ao tipo de sociedade em que vivemos, mas vale lembrar que para aqueles que Caminham ou querem Caminhar nesta trilha, que seus medos e desconfortos deverão ser confrontados, não anestesiados. Isso separa os praticantes sérios daqueles que acham que “todos os caminhos são iguais”; ou seja, qualquer coisa serve.

Outra coisa sobre isso é que ha uma salada de Deuses sem o mínimo respeito pelas suas tradições e culturas. Deuses Hindus possuem cultos próprios e formas vivas de serem cultuados, assim como os Orixás e Exus. Os Deuses não vão olhar pra você se você não der a eles o que eles querem. Assim como as pessoas, os Deuses também podem gostar ou não de você, pois nenhum deles são obrigados a te amar ou a te ajudar: mais uma vez, volta pra igreja ou trate de mudar suas visões de mundo.

A visão cristã está tão presente entre os ditos “bruxos”, neopagãos e reconstrucionistas, que fica óbvio que mesmo mudando de religião ou meio, as pessoas continuam as mesmas e enxergam as coisas da mesma forma. Os Deuses não te amam incondicionalmente, a não ser que você seja um cristão new age ou um wiccano. Porque aí tudo vira rosas e flores. As pessoas esquecem que a natureza nos provê, mas ao mesmo tempo ceifa nossas vidas, assim como tudo no mundo. Vida se alimenta de vida e a escuridão da natureza é tão visível quanto sua luz. Os mortos fazem parte, assim como os ossos, o sangue, o selvagem, a doença e a morte.

Dizer coisas absurdas como “Os Deuses não querem/precisam mais esse tipo de coisa” chega a ser ofensivo, assim como “as coisas evoluem”…não entendo o motivo das pessoas procurarem Deuses e práticas Antigas se elas não querem dar a esses Deuses “coisas antigas”. Não faz sentido algum procurar algo mais antigo (numa ilusão de pureza) se tudo terá que ser adaptado para o seu próprio conforto e limitações. Não seria mais fácil continuar no mesmo lugar? afinal, se você não quer mudança real, mas apenas uma troca de roupa, não seria mais justo continuar onde está? não. A troca de roupa nesse caso é para que se pareça diferente, ainda mais com a internet, onde ha toneladas de compartilhamentos sobre “espiritualidade” e várias pessoas querendo falar sobre coisas das quais não entendem (e nem querem realmente entender). “Parecer”, “provar”, atualmente, é mais importante do que realmente “ser”. A pretensão e a intenção se tornam o foco, não a prática, ou seja, a pessoa “quer”, declara a intenção e acha que isso basta.

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Bruxaria x Poder 

Neste último tópico deixarei bem claro de como as coisas são vistas entre aqueles que podemos abranger sob a alcunha de “Bruxo Tradicional”, que mesmo não sendo um título, ajudou e ajuda a diferenciar os Andarilho do Caminho Partido, os Caminhantes, dos neopagãos.

Não existe um “cânone” da bruxaria. Não existe uma fórmula pronta. E principalmente, não é um Caminho e um ofício para qualquer pessoa.

Não existe bruxo de coração. Não ha inclusões aqui ou ajuda ao próximo só porque ele se sente excluído.

Ao longo da História, o que define um bruxa é o Poder. Sim, exatamente isso. E aqui também poderíamos colocar o conhecimento que traz o Poder. Como bruxaria não é uma religião, então não é aberta para qualquer um. Deve-se ter talento em alguma coisa ou uma visão diferenciada que lhe permite absorver certos valores e sabedorias.

Após a criação da Wicca e da popularização de suas práticas, as pessoas começaram a usar o termo “bruxa” como se fosse algo ligado ao próprio neopaganismo. Não é. Aliás, as bruxas eram temidas e condenadas entre os Helênicos, entre os Nórdicos, entre os Celtas, entre os povos da Mesopotâmia.

Bruxas nunca foram bem vistas e magia nunca foi algo aberto e bem visto.

As bruxas nunca foram sacerdotisas de templos. Nunca foram “new age” ou “boazinhas”. Eram pessoas com capacidades e conhecimentos obscuros. Mexiam com aquilo que as pessoas temiam ou se apropriavam de elementos que apenas os sacerdotes eram autorizados a usar/fazer. A bruxa sempre usou o poder a sua própria maneira e trilhou seu próprio caminho, na marginalidade de todas as culturas.

O engraçado é reparar que muitas vezes as ações de uma bruxa eram semelhantes a de um sacerdote (ações = práticas, não a religiosidade), mas o que definia ela como “bruxa” e “maligna” era a autorização divina. O sacerdote era autorizado a fazer certas operações, a bruxa não. Mesmo assim a bruxa se apropriava e fazia o que desejasse, só que para os próprios fins.

Vamos pegar hoje em dia: se um padre cura alguém, é visto como um milagre. Algo bom, algo que confirma a fé cristã. Se uma pessoa que nem acredita em cristo ou na igreja usa algum método de cura e também tem sucesso, essa pessoa é uma bruxa. O que muda é a autorização social ou do meio em que se está inserido. De qualquer forma, não ha como ser uma bruxa se isso se limita a suas ideias ou a rezar pra algum Deus.

Vamos separar a ideia de um seguidor de um padre: o seguidor reza, tem estatua de maria, faz novena, procissão e tal…essa pessoa não é uma “sacerdotisa de maria”, é somente um seguidor. Um Padre é alguém que treinou e estudou por anos, fez votos e dedica sua vida a ser um padre. Antigamente era assim com os Templos dos Deuses. Um bruxo é alguém que segue algum Deus se quiser (qualquer um) ou não; é alguém conectado com a natureza (inclusive a sua própria) e costuma ser alguém que comete transgressões, como roubar ossos de um morto para usos pessoais.

Bruxas não precisam de religião, só se essas desejarem. Bruxas possuem poderes/capacidades.

Um neopagão que tem uma estátua e reza, que acende incenso e coisas do gênero, costuma ser somente um seguidor e não um bruxo, muito menos um sacerdote.

A banalização dos termos e a falta de responsabilidades do que isso realmente significa nos trouxe a uma era de “bruxos” e “sacerdotes” rasos, sem poder real, que esperam uma justiça divina ou recompensa, aos moldes cristãos, que trazem ideias do tipo “Lei tríplice”, “karma” e outros limitantes ou “leis” que castigam más ações, para onde nunca existiu, mas isso é outro assunto.

O fato é que muitos de nós apenas observam tudo isso com olhares distantes: a bruxaria não sofre com a moda. Desde os anos 50’s a bruxaria tem sido distorcida e antes disso era proibida. Para nós é até melhor não nos envolvermos e deixarmos, as vezes, algumas ideias carregadas pelos ventos, para quem sabe, sirva de inspiração para aqueles que possam escutar tais palavas como sussurros trazidos pelos ventos, daqueles que arrepiam a espinha.

Nós continuamos a existir, todos os nossos Kins, porque nos reconhecemos e nos preservamos. Preservamos nossas práticas e nos concentramos mais em Andar do que em falar, mais em entender do que em discutir.
Somos reservados em nossa maioria e nutrimos respeito pelas práticas alheias, quando essas possuem valor.

Continuamos com nossos ossos, sangue, semem, saliva, morte, luz, escuridão, ervas, galhos, chifres, curas e venenos…assim como sempre foi e assim como sempre será.

Este texto é uma crítica e também uma forma de fomentar ideias nas mentes mais predispostas a buscar entendimento e vivência, do que simplesmente um teatro onde a vestimenta do seu Caminho seja mais importante do que aquilo que você faz sozinho, da escuridão da noite, com apenas os mortos a sua espreita.

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É típico dos genuínos homens-de-conhecimento utilizar o que quer que esteja à mão e mudar o rumo de todas as influências, independentemente da sua procedência religiosa, para as causas secretas da Arte. É por isso, então, que a Arte Antiga adota para si mesma uma grande opção de atitudes e métodos, estendendo-se desde simples tópicos de feitiçaria até às mais altas formas cerimoniais de conjuração.
(2)

Notas:

(1) Uma máxima popular de Robert Cochrane nos meios tradicionais;
(2) Ensaio de Andrew D. Chumbley, “O que é Bruxaria Tradicional”.

14 Respostas para “Os Vícios e os Erros modernos na Bruxaria

  1. Primeiramente gostaria de agradecer pela oportunidade de ler tais palavras!
    conforme lia o texto, praticamente “me alimentava de cada linha”. Meu da pra mastigar o que você escreve de tão palpável!!
    São tantas verdades e tanta clareza de conhecimento e ainda pureza nas palavras que consegui ver um compilado de muitas coisas que penso e sinto a respeito do que é a Bruxaria em si!
    Sem mascaras, sem enfeites!
    Minha opinião é simples pra quem ta em dúvida se deve ou não ler esse texto:
    Leia 3 ou mais vezes pois Leonard Dewar sabe do que ta falando.

    PS: Não concordo com cada palavra pois cada um tem uma perspectiva de tudo que vivemos individualmente, mas em minha ‘peneira pessoal’ de crítica lógica e sincera consegui aproveitar mais de 90% desse texto pra somar em minha caminhada pessoal.

    Gratidão novamente Leonard por se dispor a dividir algo tao precioso.

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    • Olá Victor!
      Obrigado pelas palavras, fico lisonjeado!
      É muito bom que você não concorde com tudo do texto, até porque, muita coisa foi escrita “no calor do momento”, pois o texto não foi planejado ou pre-concebido: fui escrevendo as ideias que vinham na mente, como um desabafo ao que é visto por aí.
      Muitos tópicos deveriam ser mais bem elucidados e embasados em referências (como a maioria dos tópicos deste blog), mas foi feito mais com um intuito mais leve e mais pessoal de cada um.
      Entendo apenas daquilo que vejo e pratico e, mesmo assim, nenhum de nós podemos nos considerar “mestres” em nada, mas sim, como alguém que anda o Caminho e que ainda tem muito o que andar e quebrar a cara.
      abs!

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  2. C-A-R-A-M-B-A!!!!! Este texto abriu os meus olhos para muuuiitas coisas!!!
    Eu sou neófito wiccaniano, e acredito que a Deusa que colocou isto na minha frente. Realmente! O que vivemos hoje é uma pink witchcraft, que nada tem haver com o antigo paganismo.
    Tudo bem adaptar práticas antigas para os dias de hoje, como foi citado com Ares, mas fazer coisas como acender velas e incensos – apesar de serem reais e funcionarem, não são totalmente para a divindade.

    Bruxaria é prazer e sacrifício e agora estou entendo isto! Cansei desta pink witchcraft! Quero viver a verdadeira arte, ter o verdadeiro poder, agradar os Deuses de verdade e ser amigo deles! QASS E QASF

    Obrigado pelo maravilhoso pos!

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    • Olá Pedro,
      Agradeço pelo comentário!
      Mas não quero passar a impressão errada: não estou incentivando o sacrifício de sangue. É uma prática que não é feita constantemente e s[o foi usada para ilustrar e falar sobre a importância do sangue e da vida. Deixe o sacrifício para um período de mais experiência e melhor ainda se for em grupo com pessoas capacitadas ou com conhecimento para tal.
      Abs!

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  3. Isso me lembra aquele Ásatr00 da vida que nutre uma obsessão pelo Valhalla e se acha guerreiro e tal só porque paga contas todo mês, mas que se molharia todo diante de uma batalha verdadeira no meio da carnificina.

    Não que não haja valor em trabalhar e pagar contas, mas um talão de luz pago não terá utilidade nenhuma para um Einherjar quando for lutar contra gigantes no Ragnarökr.

    Ótimo texto!

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    • Olá Andrey!
      É bem por aí mesmo!
      Hoje em dia está muito comum cair na simbologia e esquecer que certas coisas não podem ser mudadas pelo simples fato de perderem suas essências.
      Muito bom a do talão de luz pago!
      Obrogado pelas palavras!
      abs

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  4. Olá Caio!
    Agradeço pelas palavras!
    Realmente, não ha nada de errado em ser wiccano, só não ha sentido se apropriarem da bruxaria como se eles fossem alguma espécie de “autoridade”.
    Fico feliz que gostou da postagem e espero que curta as demais do blog!
    abraços!

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  5. Excelente texto!

    Sério, muito, muito bom!

    Sua forma direta de abordar torna o entendimento bastante facilitado, as pautas que tu abordou são essenciais e deveriam ser discussão central em muitas reuniões e conversas sobre bruxaria. Me alegro em saber que há pessoas que identificam as problemáticas – principalmente em relação a wicca – e que nem tudo é devaneio de minha mente. Discordo de alguns pontos, mas a discordância sempre é saudável. No mais, seu texto é realmente muito bom, na verdade seu blog é precioso demais para a bruxaria dos dias de hoje.

    abraços

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    • Oá Samantha!
      Demorei para responder devido a estar viajando.
      Agradeço muito pelas palavras e com toda a certeza, discordar é sempre bom! Ainda mais quando em postagens onde embora toque em alguns tópicos polêmicos, também o faço de forma passional, contendo muito da minha própria visão e emoções.
      Sinta-se livre para explorar, comentar e tudo o mais.
      abs!
      Leonard Dewar

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  6. Texto excepcional!!!

    É mesmo uma grande piada querer cultuar os deuses antigos tendo-se conceitos morais cristãos arraigados no subconsciente, bem como adaptar os práticas de forma confortável sem preocupar-se com a vontade Deles [dos deuses]. Afinal, as coisas que mais agradam a maioria dos deuses como: sexo (de forma não-convencional), bebida (muita), sangue (seu ou de outrem), na concepção dos “bruxos” modernos atraem espíritos trevosos e acumulam karma negativo.

    Abraços!

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  7. Olá Leonard!

    Primeiramente quero te agradecer por nos presentear com tão maravilhoso texto.

    Estava pensando o seguinte:
    Levando em conta a possibilidade de que na época da idade média algumas correntes da bruxaria trabalhavam com a figura do diabo, e que este era mestre das bruxas, bem como o intercessor entre elas e o mundo espiritual. E que havia rituais trabalhados de certo forma com base em heresias cristãs.
    Então gostaria que opinasse sobre a seguinte questão: Se o diabo é um entidade que “existe” por causa do cristianismo, sendo ele uma “entidade” maligna que odeia a humanidade, não traria malefícios trabalhar com ele? Não atrairia espíritos zombeteiros?

    Espero ter me feito claro na minha pergunta.

    abraço!

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    • Olá,
      Então, o Diabo dos cristãos não é o mesmo Diabo das bruxas. Portanto, é um sincretismo.
      Aliás, o Diabo em si não é uma figura clara, surgindo apenas quando passamos em traduções da bíblia do grego para o latim, com a palavra Diabolus. Não ha menção do “Diabo” antes disso.
      Ademais, “O homem egro do Sabbath” não é o Diabo da igreja, visto que como sincretismo, usamos apenas máscaras e identificações.
      Malefícios existem em todos os lugares, até num feitiço para conquistar um emprego concorrido (afinal, outros ficarão desempregados).
      Espíritos zombeteiros é uma ideia de kardecismo. Bruxos muitas vezes trabalham com os mortos, incluindo todo tipo de espíritos.
      A ideia de “bem x mal” é da religião cristã. Bruxos tendem a enxergar bênçãos em maldições e maldições em bênçãos, como tudo na vida 😉
      abs

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